O momento que me apanha não é o letreiro de «promoção». É a linha minúscula por baixo — algo como cupão digital ou preço da app — a transformar, discretamente, uma ida banal ao supermercado numa decisão sobre tempo, dados e dignidade.
Imagine a cena: corredor iluminado a fluorescentes, uma mão na pega do cesto, a outra a segurar o telemóvel como se fosse um passaporte. A etiqueta da prateleira oferece duas realidades: o preço que obtém só por aparecer, e o preço que obtém por provar que é o tipo «certo» de cliente.
A tensão não é só sobre poupança. É sobre o que lhe estão a pedir para fazer por eles: criar uma conta, fazer login, «ativar» um cupão digital, talvez dar um número de telefone na caixa. E, se não o fizer? Paga com incómodo — por vezes com embaraço.
Este texto não é uma lição sobre o que deveria fazer. É um plano prático de ofertas sem login, que pode adaptar — sobretudo se está a tentar manter a ida ao supermercado simples e os seus dados pessoais… pessoais. E, se não estiver nos EUA, ainda assim vai encontrar guiões úteis e pontos de decisão, enquanto eu assinalo onde as fontes são específicas dos EUA.
O que «o preço de promoção» realmente significa hoje
Para muitas lojas, «promoção» fragmentou-se em camadas:
- Um preço de etiqueta que qualquer pessoa pode obter.
- Um preço de programa de fidelização que obtém ao identificar-se (muitas vezes com um cartão ou um número de telefone).
- Um preço com cupão exclusivo digital que obtém ao dar passos extra — normalmente «ativar» o cupão, muitas vezes numa app, por vezes com login.
É nessa última camada que as compras ficam complicadas. Os cupões digitais exclusivos podem fazer a loja parecer estar a dizer: Vamos recompensar, mas só se conseguirmos reconhecer quem é — e acompanhar esse reconhecimento ao longo do tempo.
E sim, às vezes estamos cansados. Às vezes só queremos ir para casa. Às vezes acabamos por descarregar a app do supermercado na fila da caixa, a semicerrar os olhos para uma regra de palavra-passe que não vamos lembrar, a pensar: Isto é absurdo, mas não tenho energia para lutar.
Eu já fiz isso. E, mais tarde, já fiquei com uma sensação estranha — não porque poupar seja vergonhoso, mas porque o processo foi desenhado para me fazer ceder.
O problema não é só irritação — é acesso
Quando os descontos ficam trancados atrás de apps, há uma suposição silenciosa: que toda a gente tem um smartphone, que toda a gente tem internet em casa e que toda a gente consegue tratar de burocracia digital a meio das compras.
Mas isso não corresponde à realidade. O Pew Research Center documenta lacunas persistentes na posse de smartphones e no acesso a banda larga doméstica por rendimento, escolaridade e idade — o que significa que descontos bloqueados por apps podem excluir sistematicamente pessoas que já têm menos opções (Pew Research Center, 2024).
Isto importa mesmo que, pessoalmente, tenha a tecnologia. Porque a «divisão digital» aparece de formas comuns, humanas:
- Alguém que partilha um telemóvel com a família.
- Alguém que não consegue pagar dados móveis fiáveis.
- Alguém que não lê ecrãs pequenos confortavelmente.
- Alguém que simplesmente não quer mais uma conta.
E se os melhores preços ficam atrás de um muro de login, a loja não está apenas a oferecer um desconto. Está, discretamente, a separar clientes em «fáceis de digitalizar» e «difíceis de digitalizar».
O fio da privacidade: quando os descontos vêm com perfilagem
A troca não é sempre explícita, mas está lá.
Em julho de 2024, a Federal Trade Commission (FTC) dos EUA anunciou que recorreu a ordens 6(b) para pedir informação a oito empresas sobre «preços baseados em vigilância» — preços influenciados por dados extensos sobre consumidores e por segmentação orientada por IA (FTC, 2024). Isto não é um guia passo a passo do tipo «eis o que os retalhistas lhe estão a fazer». É mais como um grande, oficial letreiro a dizer: A fixação de preços orientada por dados é uma preocupação real.
Em separado, a Consumer Reports alegou que a Kroger constrói perfis detalhados de membros do programa de fidelização, incluindo um «previsor de rendimento», e alertou que imprecisões nesses perfis podem afetar se os clientes recebem «os melhores descontos» (Consumer Reports, 2025).
Mesmo que não compre na Kroger, a conclusão é fácil de reconhecer: sistemas de fidelização não estão apenas a somar pontos. Podem estar a construir uma história sobre si — uma história que não controla e que pode influenciar aquilo que vê e aquilo que recebe.
Por isso, a pergunta «Preciso da app do supermercado?» torna-se uma pergunta maior: Quanta incerteza estou disposto a aceitar, em troca de um desconto que pode ser personalizado, condicional ou inconsistente?
Uma vinheta: a negociação no corredor (cenário → tensão → escolha → resultado → lição)
Cenário: Está em frente à prateleira de massa. A etiqueta oferece um preço de «fidelização» e um preço de «cupão digital».
Tensão: Sente a micro-pressão: Basta ler o código na app. Basta ativar o cupão. Não exageres.
Escolha: Decide — ali mesmo — que hoje não vai criar um novo login. Escolhe outra marca, compra menos ou salta o artigo por completo.
Resultado: A ida ao supermercado mantém-se simples, mas sai com uma pequena picada: aquela sensação de pagar mais, não com dinheiro, mas com teimosia.
Lição: Uma escolha «sem login» muitas vezes vem com uma troca. Ajuda fazer essa troca de forma deliberada, não reativa.
Esse é o cerne do plano de jogo abaixo: tomar a decisão antes de uma etiqueta de prateleira o encurralar.
O Plano de Ofertas Sem Login
Este plano gira em torno de uma ideia: obter o desconto sem entrar na espiral de login na app, sempre que possível — mantendo o realismo de que nem todas as lojas tornam isto fácil.
1) Prefira métodos de ID de fidelização que não exijam login na app
Se uma loja oferece um preço de fidelização através da leitura de um cartão ou de um número de telefone na caixa, é um caminho com menos atrito do que «descarregar a app → criar conta → ativar o cupão digital».
Não é zero dados, mas muitas vezes exige menos esforço no momento e evita transformar o telemóvel numa ferramenta obrigatória de compras.
Se não tiver a certeza do que conta, faça uma pergunta simples no apoio ao cliente (ou na caixa, quando estiver calmo):
“Há forma de obter o desconto anunciado só com o cartão de fidelização ou o número de telefone — sem a app?”
2) Procure quiosques na loja ou «estações de poupança»
É aqui que as coisas ficam mais interessantes — e mais esperançosas.
Uma reportagem da Associated Press descreveu os quiosques «Savings Station» da Stop & Shop, que permitem aos clientes carregar ou imprimir cupões digitais ao ler um cartão de fidelização ou ao introduzir um número de telefone — explicitamente para tornar ofertas apenas digitais acessíveis sem um smartphone pessoal ou internet em casa (AP via KSAT, 2024).
É uma filosofia diferente: cupões digitais, mas não dependentes de um dispositivo.
Nem todos os retalhistas têm isto. Algumas lojas não têm nada. Mas a existência destes quiosques dá-lhe uma pergunta poderosa, que ajuda a normalizar o pedido:
“Têm alguma forma, na loja, de carregar cupões digitais no meu ID de fidelização?”
Se a resposta for sim, acabou de contornar o problema do login.
Se a resposta for não, aprendeu algo útil: que o «cupão digital» está mesmo bloqueado pela app, não é apenas administrado de forma digital.
3) Quando for «só cupão digital», peça uma alternativa na loja (papel ou ajuda da equipa)
Esta parte importa porque não é apenas uma preferência pessoal — os decisores políticos estão a tratar descontos apenas digitais como uma questão de acesso do consumidor.
Várias propostas de estados dos EUA defendem equivalentes em papel, alternativas na loja e apoio da equipa:
- O HB3745 de Illinois exigiria um cupão em papel correspondente quando é oferecido um cupão digital (Illinois General Assembly, HB3745).
- O A5076 de Nova Jérsia exigiria uma alternativa na loja de valor idêntico (New Jersey Legislature, A5076).
- O H.4154 de Massachusetts propõe equivalentes em papel e mecanismos como apoio do caixa/apoio ao cliente e aplicação automática para clientes mais velhos (Massachusetts Legislature, H.4154).
- O S8864 do Senado de Nova Iorque exigiria que supermercados que oferecem cupões digitais aplicassem automaticamente, no ponto de venda, os cupões digitais aplicáveis para seniores (New York Senate, S8864).
Estas são propostas, não regras universais. E são específicas dos EUA. Mas apoiam um gesto simples e não confrontacional que qualquer pessoa pode tentar em qualquer lugar:
“Existe uma versão em papel deste cupão, ou o apoio ao cliente pode aplicá-lo de outra forma?”
Não está a pedir um favor especial. Está a perguntar se a loja tem um processo que reconhece que nem toda a gente faz compras através de uma app.
4) Trate «o preço de promoção não aplicou» como um momento de precisão de preços, não como falha pessoal
Este é o ponto que mais reduziu o meu stress nas compras, mais do que qualquer «estratégia de promoções».
O alerta ao consumidor da Procuradoria-Geral do Michigan sobre proteções da «Scanner Law» enfatiza o direito dos consumidores à precisão de preços quando o preço da prateleira/anunciado não coincide com o preço na caixa — e é, na prática, uma autorização para fazer o que muitos de nós achamos desconfortável: verificar o talão e pedir correção quando algo passa ao preço errado (Michigan AG, 2024).
Mais uma vez: a lei do Michigan é a lei do Michigan. Não tenho aqui fontes que expliquem que proteções se aplicam em Colónia, por toda a Alemanha ou noutro lugar. Mas o hábito é amplamente útil:
- Verifique: olhe para o talão antes de sair (ou pelo menos antes de já não ter cabeça para isso).
- Diga o que viu: «A etiqueta dizia X, isto passou como Y».
- Peça a correção: com calma, como quem aponta uma pasta mal nomeada no trabalho.
Um guião para manter isto simples:
“Olá — este artigo estava anunciado a um preço diferente na prateleira, mas passou mais caro. Pode ajustar para corresponder ao preço anunciado?”
Se responderem com «É só na app», acabou de clarificar o verdadeiro problema: não era uma promoção normal. Era um desconto condicionado.
5) Seja ainda mais cético dentro de ecossistemas de compras baseados em apps
Se alguma vez sentiu que uma app é demasiado boa a pressioná-lo — «por tempo limitado», «só para si», «promoção» — não está a imaginar a pressão psicológica. E há reportagens que levantam questões sobre opacidade de preços em ecossistemas de apps.
A Consumer Reports noticiou experiências de variação de preços da Instacart — «Same Cart, Different Price» — destacando que preços diferentes podem ser mostrados em simultâneo (Consumer Reports, 2025). A Reuters também noticiou que a FTC está a investigar a ferramenta de preços com IA da Instacart (Eversight) perante preocupações sobre testes de preços opacos e preços desiguais (Reuters, 2025).
Não precisa de se tornar um detetive de preços. Mas pode adotar uma postura:
- Trate o enquadramento de «promoção» na app como menos verificável do que uma etiqueta de prateleira.
- Prefira promoções que consiga ver e confirmar (sinalética na loja, folhetos impressos, termos claramente afixados).
- Mantenha a decisão ancorada no que realmente precisa, não no que a app tenta fazer parecer urgente.
6) Defina o seu limite «dados por descontos» antes de ir às compras
Esta é a parte que torna o resto viável.
Se decidir o seu limite no corredor, vai decidir com base no stress. Se o decidir antes, vai decidir com base em valores.
Alguns limites que já vi pessoas adotarem (e sim, são imperfeitos):
- «Vou usar um cartão de fidelização, mas não vou descarregar novas apps.»
- «Vou usar a app para artigos realmente necessários, mas não para ‘promoções’ impulsivas.»
- «Vou pedir uma alternativa na loja uma vez; se não existir, troco de artigo.»
Aqui não há um teste de pureza. A ideia é deixar de permitir que a etiqueta de prateleira decida por si.
Uma vinheta: a correção na caixa (cenário → tensão → escolha → resultado → lição)
Cenário: O saco já está feito. Já está mentalmente no elétrico a caminho de casa. Depois olha para o talão e repara que um artigo não passou ao preço anunciado.
Tensão: Sente o atrito social. Não quer ser «aquela pessoa». Também não quer doar dinheiro extra a um erro de preços.
Escolha: Volta atrás e diz uma frase — com calma.
Resultado: Às vezes corrigem rapidamente. Às vezes descobre que era um cupão exclusivo digital e decide se é uma loja que quer continuar a recompensar.
Lição: Verificar o talão não é picuinhice. É a única forma de a «transparência de preços» se manter real na prática (Michigan AG, 2024).
Porque «sem login» não é só uma questão de conveniência
Como designer, não consigo deixar de ver maus fluxos de utilização. E um login forçado a meio da ida ao supermercado é um exemplo de manual de fricção que é transferida para o cliente.
Mas «sem login» também é sobre outra coisa: impedir que a ida às compras se transforme numa negociação silenciosa de dados.
Quando a FTC sinaliza publicamente preocupação com preços baseados em vigilância — preços moldados por dados do consumidor e segmentação por IA — é um lembrete de que dados e preço não são conversas separadas (FTC, 2024).
E quando a Consumer Reports alerta que a perfilagem de fidelização (e potenciais imprecisões nesses perfis) pode afetar quem recebe «os melhores descontos», isso acrescenta uma razão prática para limitar a sua dependência destes sistemas (Consumer Reports, 2025).
Não precisa de entrar em pânico por causa disso. Também não precisa de fingir que não é uma troca.
Uma vinheta: o beco sem saída do «só digital» (cenário → tensão → escolha → resultado → lição)
Cenário: Pergunta no apoio ao cliente se há forma de obter o preço com cupão digital sem a app.
Tensão: A resposta pode ser «não» e, nesse momento, está ali com os seus princípios e as suas compras, a tentar decidir se está disposto a ceder.
Escolha: Decide tratar isto como um dado sobre a política da loja, não como um desafio pessoal. Ou aceita o preço normal, ou troca de artigo, ou toma nota para comprar noutro sítio da próxima vez.
Resultado: Sai com menos ressentimento, porque não foi levado a pensar que «perdeu» uma promoção. Aprendeu que a promoção tinha condições.
Lição: Clareza é uma forma de poupança. Impede-o de pagar os custos invisíveis: tempo, stress e a sensação de estar a ser manipulado.
O que isto significa se estiver fora dos EUA
A maioria dos exemplos concretos de política nas fontes são projetos de lei estaduais dos EUA e um alerta ao consumidor do Michigan. Não tenho aqui fontes para lhe dizer que leis equivalentes existem onde vive, incluindo na Alemanha.
Mas ainda pode usar:
- As perguntas (Há alternativa na loja? Há quiosque? Conseguem aplicar isto sem a app?)
- Os hábitos (verificar o talão, confirmar preços anunciados)
- O enquadramento (só digital é uma escolha do retalhista, não um erro seu)
E pode tratar a tendência de política nos EUA como um sinal: os legisladores estão a reconhecer que descontos apenas digitais podem tornar-se um problema de acesso e transparência — não apenas uma tática de marketing (Illinois HB3745, New Jersey A5076, Massachusetts H.4154, New York S8864).
Pontos-chave que pode mesmo adaptar
- Defina o seu «limite de promoções» antes de ir às compras (o que fará por um desconto e o que não fará).
- Peça primeiro caminhos sem login: cartão/número de fidelização, quiosque na loja, apoio do atendimento ao cliente (AP via KSAT, 2024).
- Trate promoções que não aplicam como um tema de precisão de preços: confirme etiquetas vs. talão e peça correção (Michigan AG, 2024).
- Mantenha um ceticismo saudável em ambientes de «promoção» baseados em apps, onde os preços podem ser opacos ou variáveis (Consumer Reports, 2025; Reuters, 2025).
- Lembre-se do contexto maior: fixação de preços orientada por dados e perfilagem de fidelização são preocupações atuais, por isso «sem login» não é só conveniência — é uma escolha razoável de privacidade (FTC, 2024; Consumer Reports, 2025).
Fontes:
- Comunicado de imprensa da FTC (julho de 2024): a FTC emite ordens a oito empresas a solicitar informação sobre preços baseados em vigilância
- Pew Research Center (31 de janeiro de 2024): uso de tecnologia móvel e banda larga doméstica pelos norte-americanos
- Associated Press via KSAT (11 de dezembro de 2024): a Stop & Shop usa quiosques para tornar ofertas apenas digitais disponíveis a mais clientes
- Procuradoria-Geral do Michigan (17 de dezembro de 2024): alerta ao consumidor sobre proteções da «Scanner Law»
- Consumer Reports (21 de maio de 2025): investigação sobre recolha de dados do programa de fidelização da Kroger e perfis de compradores
- Consumer Reports (9 de dezembro de 2025): relatório sobre variação de preços da Instacart («Same Cart, Different Price»)
- Reuters (17 de dezembro de 2025): a FTC investiga a ferramenta de preços com IA da Instacart (Eversight)
- Illinois General Assembly: HB3745 (apresentado em 17 de fevereiro de 2023)
- New Jersey Legislature: A5076 (apresentado em 19 de janeiro de 2023)
- Massachusetts Legislature: H.4154 (sessão 2023–2024)
- New York Senate: S8864 (apresentado em 22 de março de 2024)

